sábado, 10 de abril de 2021

O MISTO

Um caminhão com dupla finalidade: transportava carga e passageiros. A cabine ou "boleia" é modificada, dando lugar a três ou quatro filas de bancos, cada uma recebendo cinco ou seis passageiros. Esta improvisação ocupava metade do comprimento do veículo. O restante da carroçaria recebia a carga. Sua importância é maior do que se supõe à primeira vista.

Partindo da localidade Auto Alegre que era a sede das atividades, fazendo a "linha" uma ou duas vezes por semana à cidade de União, José de Freitas e Teresina, distantes muitas vezes mais de vinte léguas, o Misto do Sr. José Maxmiano representa a própria historia do transporte publico na região norte freitense.

  • Uma tabuleta de madeira, pintada a capricho, indicava, do alto do pára-brisas, o destino: União – Lagoa Alegre – Teresina.

O motorista, mais conhecido como “Chofer”, era figura importante, popular e respeitado pelo seu grande valor "social". Por onde passava todos lhe conheciam, acenavam, cumprimentavam. Trazia notícias, recados, cartas, bilhetes, volumes, etc.. . Basta pedir.

Não tinha hora certa para partir, não havia pressa. Era de madrugada, de manhã cedo ou à tarde, depois da feira. Quando o carro estava cheio de gente e de trastes, tocava a buzina, prolongada e insistente. Mas, não ia sair não. Era só para avisar. Não havia perigo, ninguém perdia o "horário". Depois buzinava outra vez, mas agora ia partir. Já com o motor funcionando, buzinava e lentamente começava o percurso. Ainda alguém vinha correndo, ele pára, os passageiros não demonstravam a menor reclamação. É uma carta ou um recado. . .

Já na estrada desenvolvia velocidade, deixando atrás de si a poeira vermelha. Os passageiros já se acostumaram, traziam uma toalha ou lenço ao pescoço e cobriam o rosto ante o pó. Todos os lugares têm um nome com o qual são conhecidos ou referidos: Alto do Meio, Tamboril, Pelo Sinal, Espinhos, Cajueiro, Corredeira, Ponta do Mato, etc. O motorista era sempre solícito e procurava tornar-se útil fornecendo informações. No percurso ia apanhando passageiros, que postados à beira da estrada, com seus trastes, nem fazem sinal de parada. Já se sabia, pela atitude ou pelo trajar. Subiam e escolhiam calmamente um lugar, depois de ter cumprimentado os passageiros e ajeitado a bagagem. Esta era constituída quase sempre de sacos brancos (tipo de farinha). Quando num mesmo saco transporta vários cereais usava de um expediente curioso: no fundo colocava arroz, dando um nó logo a seguir, despejava milho e novamente outro nó e finalmente o feijão, já na boca do saco, quando dava o último nó. Se fossem para a feira levavam para vender coisas da terra; na volta traziam querosene, fosforo, tecido, baldes, etc.

  • Atuando em um âmbito regional bem delimitado, o "Misto", do Seu Zé Maxmiano, caminhão adaptado às contingências daquela época, inegavelmente deixou sua contribuição histórica e está marcado na memoria de todos nos que um dia utilizamos seus serviços.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

DO JENIPAPO DOCE À UNIÃO


O dia foi 29 de Julho de 1973. Já era noite quando chegávamos de mudança na Cidade de União - PI, vindos da localidade rural Jenipapo Doce - município de José de Freitas, com nossas bagagens no caminhão “pau de arara” do Sr. De Barros. Éramos uma família de cinco pessoas: meu pai (Zé), com 28 anos; minha mãe (D. Zus), com 24; eu, com seis (06) anos; e meus irmãos, Toin Zé com 04 e Assis 02 anos. A mudança do Jenipapo Doce, na época, propriedade de meus avós paternos, localizado há 30 km da sede urbana do município, na direção a cidade de Barras, foi muito cansativo para todos.

Lembro bem do rebuliço que foram aqueles dias que antecederam a mudança, que estava planejada para ocorrer após o período das chuvas na região e antes do mês de agosto. No entanto, aquele ano teve um período chuvoso bastante prolongado e mesmo com o fim das chuvas, as estradas ainda tinham água suficiente para atolar os carros que por ali trafegassem. E como, por questões de crença e superstições da nossa cultura que não permitia que se fizesse mudança no mês de agosto, então, o dia escolhido foi o ultimo domingo do mês de julho.

Chegado o dia da mudança e às 16hs daquele domingo o caminhão já estava em frente à casa pronto para o embarque. Já era a boca da noite quando tudo estava preparado pra partir e entre lágrimas de despedidas dos parentes e amigos que ali residiam, partimos em direção ao nosso novo destino de moradia, um endereço na cidade de União-PI, escrito em um papel, que meu pai levava no bolso.

Assim, após percorrermos aproximadamente 130 km, em baixa velocidade, vindo por José de Freitas e passando pela estrada da Meruoca e PI 112, com todo cuidado para não danificar a bagagem, por volta de nove e meia da noite chegávamos ao destino, uma casinha que meu pai havia alugado para nos receber, em uma rua, na época conhecido como Beco do Seu Almeida, no finalzinho da antiga rua dos Coucos, tendo como vizinhos, dentre outras, as famílias de Seu Almeida, Seu Zeca Sindô, Seu Onofre, Seu Zé Marinho, Seu Oliveira, Seu Lopes, Seu Zizíu, Dona Morena e Seu Domingos Capão.

União-Pi, como a maioria das cidades brasileiras nos anos 70, na minha visão e acredito que na visão dos que vivenciaram sua infância ou adolescência, naquela época, era uma cidade com a cultura diferenciada. Era moderna, cheia de vida e com um otimismo contagiante para todos, que ali viveram e hoje aproximam-se ou vivem a idade dos cinquentões... Agora imagine na visão nossa, vindos do interior, sem costume com luz elétrica, com televisão, com novelas, com a banda de musica no coreto... O impacto que isso num causou em nós? Eram muitas novidades, o conjunto musical do Chico Preguiça, os Clubes Sociais, a efervescência política partidária ARENA x MDB, os festejos, as procissões católicas e o futebol nos campos de poerões. Mesmo com uma visão romântica de quem pode vivenciar tais fatos dos seis aos onze anos de idade, posso afirmar que não foi fácil à adaptação pra nós que tínhamos como base uma cultura de hábitos da roça.

Era um novo recomeço de vida para nossa jovem família que buscava melhores condições de sobrevivência e oportunidades de trabalho, além das ferramentas de transformação por meio da educação para o futuro de seus filhos.

Quanto a nossa sobrevivência, nosso pai sempre foi um homem muito trabalhador e cuidadoso no que tange ao aspecto econômico, antes mesmo de se mudar preparou se economicamente durante três anos, comprou terreno em União e deixou sua casa no interior preparada para um retorno caso fosse necessário. Em União, em um primeiro momento, tratou logo de construir uma casa no terreno que havia comprado e dois meses depois já estávamos morando na mesma. Pra sobreviver, nos primeiros anos em União, meu pai fazia de tudo um pouco, trabalhou de roça, vendia rapadura, buriti, criações, redes... Depois de uns dois anos, em 1975, conseguiu emprego na empresa que asfaltava a PI que liga União a Miguel Alves. Na sequencia foi cobrador na Empresa Zuca Lopes onde ficou até 1978. Nossa mãe, além de Costureira, cuidava de fazeres domésticos, dos filhos, e concluí estudos no projeto Minerva. Nós, filhos, além dos estudos, ajudávamos nos fazerem domésticos.

Em União estudei no Colégio do Município Ezequias Costa em 1974, depois, em 1975, fui para Escola Estadual Irmã Maria Simplício e em 1977, estudei no Fenelon Castelo Branco.

Estamos com 48 anos que saímos do Jenipapo Doce e ele não saiu de nós!

PS. Uma vez perguntei aos meus pais, o que motivou a mudança, e meu pai respondeu: Foi pra vocês terem uma vida diferente da nossa, com mais oportunidades. Esta sua fala me faz compreender melhor o verdadeiro significado do termo revolução e como essa decisão teve uma extensão de impactos no futuro da história de sua família.

SALVE ZÉ LALAU (José Saraiva de Sousa Sobrinho filho de Ladislau de Sousa Neto e Joana Batista de Sousa), nascido em 23-07-1943 na localidade Palmeirinha / José de Freitas - PI!!!

SALVE DONA ZUS (Maria de Jesus Rocha Sousa filha de Antonio Soares de Sousa e Raimunda Nonata Rocha Sousa), nascida em 06-07-1948 na localidade Sossego, município de União, hoje Lagoa Alegre - PI!!!

  • O ponto amarelo em destaque no mapa, no centro do circulo laranja, representa a posição geográfica da localidade Jenipapo Doce que está localizado na zona rural, no sentido norte, do município de José de Freitas - PI.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

NARRATIVAS VIVENCIADAS

Nesse projeto tentaremos traduzir a identidade cultural da nossa família, com uma linguagem, sem perder a leveza inerente aos temas que envolvem vínculos afetivos como o que temos com a terra onde nascemos, vivemos, trabalhamos e escrevemos nossa história pessoal e familiar. Para tanto estaremos publicando aqui, em forma de narrações e descrições com imagens, algumas crônicas e narrativas que procuram aproximar-se da melhor forma possível daquelas realidades que vivenciamos.

Algumas sensações, porém, não poderemos transformar em palavras, como o sabor do café torrado cuado na hora, o barulho do côco babaçu sendo quebrado no machado, o calor dos abraços apertados da nossa gente simples e humilde, o cheiro característico das margens do rio Marataoan, o clima ameno da mata de babaçuais, o banho de rio, o banho de chuva, a beleza de nossos carnaubais, as melodias de aboio dos vaqueiros, as lorotas e brincadeiras das figuras folclóricas que povoaram nossa infância e mocidade.

Pelo respeito e preocupação com o conhecer e reconhecer as coisas pertinentes à cultura que nos constitui e é também por nós constituída em cada traço, onde nos vemos e somos vistos, que organizamos essa serie de crônicas históricas.

As informações aqui registradas deverão contribuir para delinear laços genealógicos de todos familiares envolvidos, mas, acima de tudo, formar consciências contribuindo para o conhecimento e reconhecimento da nossa cultura registrada em saberes de um povo simples, digno e promissor.

PS. É preciso que se diga, que estas páginas há muito tempo estavam escritas em minha mente. Claro que na prática só haviam anotações das lembranças e apontamentos das longas conversas que tive com o meu avô Lalau (uma especie de enciclopédia genealógica da família), quando esse, ainda em vida, gozava de sua saúde física e mental.

Outra coisa, em respeito a história da nossa família, e às fontes de informações orais diversas da nossa pesquisa, digo que não temos pretensões de exatidão plena e indiscutível. Haverá de certo, lapsos de memória e provavelmente omissões. Espero que uns e outras sejam relevados. Portanto, o propósito não é melindrar nem diminuir ninguém. É homenagear a memoria de pessoas que nos são caras. É relembrar lugares, paisagens, fatos e coisas de um passado não muito longínquo e principalmente, render um tributo há esse passado inesquecível que está na memoria de todos nós, que o vivenciamos, e nos inspira.

O MISTO

Um caminhão com dupla finalidade: transportava carga e passageiros. A cabine ou "boleia" é modificada, dando lugar a três ou quatr...